sábado, 30 de julho de 2016

Crônica por uma gentileza crônica!

No livro "Que ninguém nos ouça", Leila Ferreira cita o historiador Theodore Zeldin: ninguém previu a falta de respeito que se observa hoje. Numa semana que começou para mim com uma dor de alma com a qual não contava, a frase (num texto de Leila Ferreira que gira em torno da falta de delicadeza, gentileza e consideração) fez-me lembrar de tantos exemplos que presencio ou ouço (como amiga ou como profissional, além do que a nossa mídia já divulga) que retratam bem a falta de gentileza nas relações: motoristas que nunca respeitam a faixa de pedestre, uma briga conjugal descomunal porque o marido colocou cebolas no pote destinado a guardar o feijão (de tão caro, o feijão ficou mais importante que a civilidade entre os parceiros), a menina de quatro anos que foi abusada sexualmente por mais de dois anos pelo pai e pelo padrinho (e tinha uma mãe nada afetuosa...como essa menina poderia acreditar num mundo  gentil?), o marido que jura ser fiel mas trai a esposa com uma Lolita, o namorado que tem fama de ser um ótimo ser humano mas é capaz de uma frieza sem igual com a até então namorada e a filha dessa, a colega  com uma frágil autoestima que se sente ameaçada pelo bom profissionalismo da parceira de trabalho e começa a sabotá-la, os assédios morais que tantos me relatam sofrer por superiores inseguros ou prepotentes, o pai em crise de meia idade que prefere gastar seu parco salário com jovens mulheres a pagar a pensão alimentícia do filho adolescente, o filho que faz empréstimos para o pai idoso pagar...  Daria para encher parágrafos e parágrafos com exemplos tristes assim.

Mas o que pretendo nesse meu texto é voltar o meu olhar para o outro lado da moeda. Também no livro "Que ninguém nos ouça", a coautora Cris Guerra  cita o lindo texto de Aline Andrade Pereira. No texto de Aline, escrito na ocasião da tragédia da lama da mineradora em Mariana,  são relatados exemplos de pessoas sendo gentis em meio a tragédias e corrupção, para enfim concluir: "não é o mal que venceu. Ele só tem uma equipe de marketing melhor". Então, esse meu texto é para fazer um marketing a favor da gentileza, pois para cada exemplo que citei acima sobre a falta de zelo nas relações, tenho tantos outros que nos fazem ter fé no humano e em sua capacidade de solidariedade. Como disse Cris Guerra, temos uma tendência a nos ligarmos ao lado negativo das coisas. Concordo. Por vezes, permitirmos que um único episódio ruim macule todas as alegrias que ocorreram num dia.  Por isso, antes mesmo de ler essas palavras de Cris, há algumas semanas estou fazendo um relato diário de gratidão ao fim do meu dia. Sim, diariamente anoto na minha agenda o que me inspirou gratidão naquele dia, e têm que ser no mínimo três itens. E fiquei feliz em conseguir fazer isso inclusive no dia de dor de alma que iniciou essa minha semana (preenchi a lista naquele dia com cinco itens que representaram gratidão!).

Por isso, quero voltar meu texto para o lado positivo da vida. Lembrar que a menina de quatro anos que citei acima se tornou uma adolescente doce e gentil, que mesmo antes de iniciar a psicoterapia, já sublimava sua dor com poesia e teatro. Lembrar que a ex-namorada preferiu a compaixão à raiva e reza diariamente para o homem bom, mas frio, estar bem e buscar ajuda profissional para curar seu luto (luto onde ele se demora há quinze anos!). Lembrar que o pai quarentão em crise escutou o pedido do filho por mais atenção e está buscando acertar as pensões alimentícias pendentes. Lembrar o casal que está junto desde a adolescência de ambos, enfrentaram desemprego, a perda de um apartamento, a senilidade do pai de um deles e, ainda assim, não descontaram as frustrações um no outro e permanecem juntos e enamorados há  mais de 30 anos. Lembrar o paciente com Transtorno de Personalidade Paranoide, que julguei que não aderiria a psicoterapia, relatar o que nunca tinha relatado a ninguém após somente duas sessões de terapia, reconhecendo sua necessidade de ajuda e realmente se abrindo para ela (e até então poucas intervenções eu fizera no caso, estava apenas exercitando a escuta empática... Pensando bem, vou tirar o "apenas" da frase anterior, pois a escuta genuína é algo tão raro de se obter na correria e fugacidade das relações de hoje! Como  foi citado no delicado filme "Hector e a procura da felicidade": ser capaz de ouvir é uma forma de amar!).

E tantos exemplos de gentileza tenho ao longo dessa minha vida! Quando adoeci, duas amigas me ofereceram suas casas e cuidados a mim, antes mesmo da minha família saber como eu estava. Três dos meus melhores amigos moram em outros estados e, mesmo longe, são capazes das gentilezas mais absurdas para comigo. Outras tantas pessoas queridas estão sempre por aqui, abertas para acolherem minhas lágrimas ou meus risos ( o que é um feito, pois nem todos sabem suportar a alegria alheia!). E geralmente tenho muita sorte com desconhecidos em viagens e na cidade onde vivo. A moça que se oferece para me dar informações quando me vê olhando, confusa, um mapa em Nova York. A senhora mais velha que cede se lugar para mim num ônibus argentino cheio, quando percebeu meu pé inchado. O desconhecido que tem uma conversa amiga e culta na espera de uma peça teatral e após o evento zela pelo meu retorno seguro para minha casa. O outro desconhecido que desce do ônibus ao mesmo tempo que eu: ele teria que descer cerca de quatro pontos depois, mas sentado atrás de mim, percebeu que caras suspeitos me observavam e  ameaçaram descer junto comigo, certamente com a intenção de me assaltar ou algo pior. Eram quase 22 horas e o comércio local estava fechado, as ruas vazias. O desconhecido salvador desceu ao meu lado, o que fez os caras suspeitos permanecerem no ônibus, e ao descer ele me relatou o que observara e me acompanhou até a entrada da minha casa. Até hoje tenho dúvidas se esse anjo era mesmo de carne e osso, pois achei que ele sumiu de vista rápido demais quando voltei a olhar a rua para onde ele se dirigira...

Vamos ressaltar os exemplos de gentileza em nossas vidas? E  vamos ser mais gentis uns com os outros?  Para que desconhecido você sorriu hoje? Que "bom dia" inédito você deu nessa semana? A quem você expressou sua gratidão recentemente? Se está difícil amar as pessoas como se não houvesse amanhã, como cantou Renato Russo, vamos apenas tentar exercitar pequenas gentilezas cotidianas? Ouso afirmar que gentileza é a pura poesia transformada em ação. E isso, na alquimia da vida, pode ser a verdadeira pedra filosofal.

sábado, 16 de julho de 2016

Antes do Amanhecer

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"Antes do Amanhecer ", filme de 1995, é um dos meus preferidos. O casal se conhece num trem, começam uma conversa deliciosa e compartilham apenas algumas horas em Viena.O filme rendeu duas lindas continuações, "Antes do por do sol" e "Antes da meia noite". Então, sabendo da minha passagem por Viena, adicionei ao meu roteiro visitas aos cenários que aparecem no filme "Antes do Amanhecer", como os cafés que frequentam (Sperl e Kleines), a antiga roda gigante no Prater, o museu Albertina, a loja de vinis (a cabine onde ouviam as músicas no filme não existe mais) que coincidentemente era a poucos passos do meu hotel... Mais uma vez o cinema inspira minhas viagens e mais uma vez isso se revela uma experiência sem igual.








sábado, 9 de julho de 2016

Viena

 Adorei Viena. Os meus quatro dias por lá foram lindos: mesmo nevando uma parte da noite, o céu era puro azul. Assisti a uma apresentação memorável do Ballet que faz parte da ópera estatal.Viena!  Suas ruas são limpas e largas, seus monumentos imponentes, o por do sol inesquecível. a música clássica no ar. Ah, e seus cafés...e tortas e apfelstrudels! Comprei chocolates incríveis no supermercado e até tomei cerveja por lá (aprecio vinho mas tenho pouco intimidade com cervejas). Os semáforos para pedestres fazem uma homenagem a inclusão social: mostram casais héteros e homossexuais.Senti-me acolhida por Viena.